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STJ mantém reconhecimento espontâneo de paternidade feito por homem com histórico de transtorno psiquiátrico
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Atualizado em 10/04/2025
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ manteve, por unanimidade, a validade de um reconhecimento voluntário de paternidade feito há mais de 10 anos, mesmo diante da alegação de que o autor sofria, à época, de um distúrbio psiquiátrico ainda não diagnosticado.
No caso, o homem buscava anular judicialmente o reconhecimento de paternidade realizado por meio de procuração, alegando que o fez de forma impulsiva, em um momento de instabilidade mental.
O reconhecimento foi feito sem exame de DNA ou prova do vínculo genético. Anos depois, já sob tratamento médico e em crise pessoal, ele realizou dois testes de DNA, ambos com resultado negativo.
A ação para desconstituir a paternidade foi negada na primeira instância e a decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT, que considerou que o homem tinha plena capacidade no momento do ato.
Ao avaliar o caso no STJ, o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, votou pelo desprovimento do recurso e reforçou que o reconhecimento de paternidade é irrevogável e que a ausência de vínculo biológico não é suficiente para sua anulação.
Para ele, não houve comprovação de vício de consentimento – como erro, coação ou incapacidade absoluta – que justificasse a anulação do ato.
O ministro também destacou que, na época do reconhecimento da paternidade, o autor continuava à frente de suas atividades empresariais, o que reforça sua capacidade civil.
A decisão foi acompanhada pelos ministros Humberto Martins e Daniela Teixeira.
Relevância social
A registradora Márcia Fidelis Lima, presidente da Comissão Nacional de Registros Públicos do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, avalia que a decisão é tecnicamente acertada e socialmente relevante.
“O STJ reafirma a seriedade do ato de reconhecimento voluntário de paternidade, que não se submete a critérios exclusivamente biológicos, mas sim à manifestação de vontade legítima, consciente e juridicamente válida. O que está em jogo é a segurança jurídica das relações parentais, que não pode ser desfeita com base em arrependimentos posteriores, especialmente quando não há vício de consentimento comprovado”, afirma.
Ela destaca que o recorrente, ainda que tenha alegado transtorno psiquiátrico não diagnosticado à época do reconhecimento da paternidade, não estava legalmente incapacitado, como foi demonstrado no processo, e adverte: “a Lei Brasileira de Inclusão – Estatuto da Pessoa com Deficiência – reforça que a deficiência, por si só, não limita a capacidade civil plena, exceto em atos de natureza negocial e patrimonial, o que não é o caso do reconhecimento de paternidade”.
Para a registradora, trata-se de uma decisão pedagógica que reafirma princípios estruturantes do Direito das Famílias, como a irrevogabilidade do reconhecimento de paternidade e a centralidade da função socioafetiva para constituir filiação.
“A decisão confronta a cultura, ainda presente, de tratar a parentalidade como algo descartável ou vinculado exclusivamente ao DNA. O STJ reforça que o reconhecimento voluntário de paternidade é um ato de responsabilidade e que não pode ser desfeito exclusivamente com base em testes genéticos posteriores, a menos que haja vício grave de origem – o que não ocorreu nesse caso”, ela analisa.
E acrescenta: “A decisão traz uma mensagem clara: a filiação é uma relação protegida pelo ordenamento jurídico, inclusive contra arrependimentos unilaterais e tardios. Ela serve de referência para casos em que se busca desconstituir o vínculo de paternidade com base em fatos posteriores ao reconhecimento, especialmente quando não há prova de incapacidade ou erro substancial à época do ato”.
Socioafetividade
Márcia Fidelis Lima destaca ainda que, mesmo diante da ausência do vínculo biológico, a parentalidade pode se consolidar pela socioafetividade, quando há posse do estado de filho. Segundo ela, essa realidade “fática e afetiva” tem respaldo jurídico na doutrina e na jurisprudência e não pode ser ignorada em ações que buscam desconstituir vínculos parentais.
“Mais do que uma reafirmação da irrevogabilidade formal do reconhecimento, essa decisão também convida à reflexão sobre a responsabilidade jurídica e emocional que envolve o ato de reconhecer um filho. O STJ, ao preservar esse vínculo, reforça a noção de que filiação é, antes de tudo, relação, construída na convivência, no cuidado e na vontade de ser pai ou mãe – e não apenas nos laudos laboratoriais. Ela também dialoga com os avanços dos registros públicos, muitos deles expressos no Provimento 149/2023 do CNJ”, pontua.
E conclui: “Ainda temos um longo caminho na luta por um sistema normativo que valorize a autodeterminação e a autonomia dos vínculos familiares legítimos, protegendo os afetos juridicamente reconhecidos como expressão da dignidade humana”.
REsp 2.081.321
Guilherme Gomes
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